segunda-feira, 25 de março de 2013

Democratizar, Descolonizar e Desenvolver*…




No momento em que o caro leitor lê este artigo, (infelizmente) o país ainda não bateu no fundo, o desemprego ainda não atingiu o seu limite máximo, as insolvências e o crédito mal parado não inverteram a sua tendência de subida, a recessão e o défice vão continuar e a malfadada austeridade ainda conhecerá novos capítulos…

(Com)provado o falhanço do actual  governo, que perdeu uma soberana oportunidade para verdadeiramente reformar o n/ insustentável Estado, importa, mais do que nunca, reflectir sobre o nosso futuro.

Desenganem-se porém, aqueles que pensam que o problema está exclusivamente na incompetência dos nossos governantes, com o ministro Vitor (Prof. Karamba) Gaspar à cabeça, que são “apaixonados pela austeridade” (Seguro dixit) e que as coisas se resolvem com novas eleições de onde sairá vencedor, quase inevitavelmente, o secretário-geral do Partido Socialista. Os cancros não se curam com aspirinas e o estado a que chegámos exige mais do que a substituição de um Primeiro-ministro inexperiente por outro (igualmente incapaz), Portugal depende muito daquilo que se decide em Bruxelas, mas também aí faltam Estadistas capazes de encontrar uma solução para a Europa e o governo (seja ele qual for) está agrilhoado ao Memorando da Troika.

A somar a toda esta conjuntura negativa, paira no ar o chumbo eminente do Orçamento pelo Tribunal Constitucional, que colocará mais um grave problema nas mãos do governo, incapaz de cortar na despesa pública sem ir ao bolso dos funcionários públicos e pensionistas. Assim, confirmando-se (e acredito piamente que sim) o chumbo, o que nos espera será um novo aumento de impostos que, como é hábito, vai espoliar ainda mais a classe média do nosso país.
   
Romper com a Troika e virar costas ao Euro, como alguns defendem, só traria mais miséria ao país. Aquilo que muitos não compreendem é que o Estado (e também as famílias e as empresas) desde há muitos anos que gasta mais do que aquilo que tem e foi-se endividando até ninguém nos emprestar dinheiro sem cobrar juros usurários (em 2012 o Estado gastou mais dinheiro em juros dos empréstimos contraídos do que em Educação…), pelo que o caminho passa obrigatoriamente pela austeridade e não por mais TGVs, aeroportos de Beja, pontes e auto-estradas.

As razões para sermos a causa da Europa são muitas e não vêm de agora (leiam: “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares” da autoria de Antero de Quental), não vale pois a pena diabolizar a classe política, a Troika ou os alemães pela miséria em que actualmente muitos portugueses se encontram… Não podemos, como tantas vezes oiço, querer “Sol na eira e chuva no nabal”, ou queremos um Estado balofo, com centenas de milhares de funcionários, RTP pública a custar um milhão de euros por dia ao erário público (viva o Preço Certo!) e investimento público a rodos, mas quem defender este caminho tem que ser coerente e não reclamar da carga de impostos que pagamos, ou então queremos um outro caminho, queremos um Estado mais magro, com menos burocracia, centrado nas funções principais do Estado, um Estado que seja um árbitro e não um jogador, um Estado que não prometa 150.000 postos de trabalho mas que crie condições (baixando o IVA p. ex.) para as EMPRESAS criarem 150.000 postos de trabalho…

O exemplo deverá vir de cima, corte-se nas viaturas do Estado, no número de deputados e assessores, nas reformas douradas e nas PPPs, pois doutra forma nenhum governante tem legitimidade para pedir mais sacrifícios aos portugueses.

Goradas as expectativas da Revolução dos Cravos, eu proponho para estes tempos difíceis que se avizinham, 3 novas prioridades para darmos a volta por cima, 3 E’s ao invés dos 3 D’s da Revolução, são eles: Educação, Ética e Envolvimento… e se quisermos, podemos juntar ainda mais um E, de ESPERANÇA…

LP

* Conhecidos como os 3 D’s, foram os grandes objectivos para o país, plasmados no programa do M.F.A. (Movimento das Forças Armadas), delineado dias depois do 25 de Abril de 1974. 

terça-feira, 19 de março de 2013


Aqui há uns meses esta mensagem induziu muito boa gente em erro, sendo certo que o Português é, por tradição, pródigo em inventar esquemas para se escapulir às responsabilidades...

Como se antevê, não passa de um logro, que enferma de vários erros. A saber:

Desde logo há um erro (embora generalizado) ao falar-se de "aluguer", quando o correcto seria falar-se de "arrendamento";
Para além desse aspecto meramente formal, não existem arrendamentos de 100 anos, o prazo máximo são 30...
Por último, o facto de arrendarem a casa não protege o inquilino... pois em caso de incumprimento do crédito, a casa é vendida e o contrato de arrendamento caduca, pois é posterior à hipoteca.

Assim, para além de não obterem a vantagem pretendida (ludibriar o banco), o facto de celebrarem o contrato de arrendamento à revelia do banco, pode agravar o Spread ou fazer vencer de imediato o empréstimo e, se por ventura tiverem a casa como vossa Habitação Própria e Permanente, e não tiverem decorrido ainda 5 anos, batem-vos à porta os respectivos impostos de que à data tiveram isenção.

Actualmente podem contudo arrendar sem penalizações desde que (i) estejam desempregados ou (ii) mudem de local de trabalho que fique a, pelo menos, 50 KMs.

Quem estiver com problemas em pagar a casa deve pedir a reestruturação do crédito e/ou um período de carência, e quanto mais cedo melhor...

LP



terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

É a lentidão Estúpido!

Talvez nunca como hoje as pessoas desconfiaram da justiça... Tal descrença deve-se essencialmente a 2 motivos: (1) às notícias sobre justiça diariamente veiculadas na comunicação social, sobre os (impunes) Isaltinos, BPNs, Freeports, Face Oculta, etc. mas também a notícias como esta:
tribunal-esteve-duas-horas-a-julgar-furto-de-comida-para-cao-e-gato
dando conta da condenação de uma meliante que furtou 2 embalagens de comida para animais, no valor de € 0,98... mas, e sobretudo, também (2) pela própria experiência vivenciada pelas pessoas que tiveram de recorrer aos n/ tribunais, ficando anos à espera de uma sentença que (não obstante estar irrepreensível), passado tanto tempo, apenas serve para emoldurar numa qualquer parede da casa de banho...porquanto perdeu o seu efeito útil. Se recorremos ao Tribunal para condenar a empresa Vai Chatear Outro Lda. a pagar-nos € 50.000,00 e temos uma decisão passados 3 anos, quando a empresa já dissipou todos os bens e está pronta para fechar as portas, então mais valia termos ficado quietos ou então, violando o art. 1.º do CPC que prescreve "A ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito (...)", contratar uns tipos musculados para darem uns açoites ao mau pagador...

Desta descrença grave nos Tribunais e nos magistrados avultam perigos que a classe política não deve/pode ignorar. Desde logo, como já referi, esta ineficácia apela ao recurso à vindicta privada por parte dos lesados... A justiça pelas próprias mãos é inimiga jurada do Estado de Direito. O Estado não pode abdicar daquela que é a maior demonstração da sua força - o poder de punir os cidadãos que violem a lei...

Por outro lado, quando as pessoas vêm uma justiça mole, que demora anos e anos a decidir e que põe na rua um criminoso da pior estirpe devido a um erro processual (que os advogados mais argutos sempre aproveitam), são convidadas a enveredar pela via do crime (mormente numa época de crise como a que vivemos). Ao contrário do que alguns ainda acreditam, não é a gravidade/medida da pena (e cada vez se vêm mais partidários da pena de morte) que desviam as pessoas da actividade criminosa mas antes a certeza e a celeridade da pena... Um criminoso, antes de partir para um assalto à mão armada, não pensa 2 vezes apenas pelo facto desse crime ser punido com 10 ou 20 anos de prisão, todavia, se tiver no subconsciente que em Portugal 90% dos assaltantes são apanhados, condenados e presos em menos de um ano, de certeza que pensa muito bem se vale a pena cometer o crime. E não sou eu que o digo, esta tese, gizada por Montesquieu, tem quase 300 anos...

Face às consequências nesfastas que o descrédito na Justiça acarretam, urge pois uma reforma profunda, sobretudo do Código de Processo Civil, que privilegie a substância em detrimento da forma, que reduza os articulados, o número de testemunhas, os incidentes, etc. mas mais do que isso é necessário uma reforma de mentalidades dos vários operadores judiciários (juízes, MP, advogados, solicitadores, oficiais de justiça, etc.) que têm que fazer mais com as ferramentas de que dispoêm... De contrário podem fazer as alterações legislativas que quiserem que não sairemos da cepa torta... pois "a terra continuou a girar à volta do Sol, apesar de Ptolomeu ter convertido em lei o contrário..." (Kirchmann).

LP

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Breve olhar sobre o Balcão Nacional do Arrendamento/Despejo

Face à impotência dos tribunais em dar resposta, em tempo útil, aos conflitos dos cidadãos, tem vindo a acentuar-se a chamada "desjudicialização", que consiste em retirar competências aos tribunais, multiplicando-se as vias alternativas de resolução de litígios (balcões, arbitragem, mediação, etc.).

Estes mecanismos especiais têm a seu favor a celeridade mas têm contra si o facto dos seus utilizadores gozarem de menos garantias... E nem sempre é fácil encontrar um equilíbrio entre a desejável celeridade de uma sentença e a necessária garantia de que o processo será justo e a decisão ponderada.

As pessoas não compreendem (porque os "tudólogos" da televisão não sabem explicar...) como é que é possível um processo demorar 4 anos até ser definitivamente arrumado, mas a verdade é que quando um processo entra no Tribunal é preciso ir bater à porta da outra parte (o que nem sempre é fácil), ouvindo-se as (longas e diferentes) versões, depois (e normalmente uma das partes tem interesse em que o processo se arraste) levantam-se impugnações e nulidades a rodo, o Juiz tem que se pronunciar sobre todas as "pintelhices" (Catroga dixit), findo o processo na 1.ª instância há recursos, aclarações... Se pura e simplesmente se vedasse o direito de recorrer para os tribunais superiores p. ex. muitos processos conheciam o seu desfecho em muito menos tempo, mas isso redundaria num prejuízo inaceitável para muitos cidadãos de boa fé que tiveram sentenças desfavoráveis por erro do Juiz e que ficavam privados da possibilidade de um juiz com mais traquejo (da Relação ao Supremo) apreciar a validade da sentença...

Longe deste ritual, o procedimento especial de despejo ("irmão gémeo" do procedimento de injunção) tem por escopo ser uma forma célere (é um processo urgente que "não pára" durante as férias judiciais) e barata para os senhorios correrem com os inquilinos incumpridores... Terá sede no Porto e vai contar com 11 trabalhadores (e acreditem que chegam)...

Este mecanismo aplica-se tanto a arrendamentos habitacionais como comerciais mas para poder ser utilizado têm que estar preenchidos (pelo menos) 2 requisitos essenciais: (i) haver um contrato de arrendamento escrito (ii) ter sido liquidado o Imposto de Selo.

Para além desses requisitos, os senhorios apenas podem lançar mão do BNA em caso de (1) revogação do contrato (quando senhorio e inquilino chegam a um acordo); (2) caducidade (p. ex. se o contrato de arrendamento estipular que o contrato cessa no dia 17/02/2013, não se renovando); quando o contrato cessar por (3) oposição à renovação automática, quer por parte do senhorio quer por parte do inquilino (situação mais comum: o contrato renova-se automaticamente todos os anos, mas este ano o senhorio comunicou ao inquilino que não pretende a renovação do contrato); no caso de (4) denúncia do contrato por parte do senhorio quando este necessitar da casa para ELE ou os seus FILHOS morarem, para demolição ou realização de obras profundas; (5) Denúncia do contrato por parte do inquilino, passados 6 meses de arrendamento pode denunciar o contrato a todo o tempo, desde que avise o senhorio com 4 meses de antecedência (6) Resolução do contrato porque o inquilino "se esqueceu" de pagar as rendas (durante mais de 3 meses) ou porque se opôs à realização de obras necessárias para garantir a habitabilidade do locado

Se estiver numa das situações supra, preenche um requerimento (disponível no sítio da internet do BNA), onde se identifica o locado (casa), o fundamento do despejo, alguns dados do contrato (data, valor da renda etc.), pode escolher o notário ou Agente de Execução (se não escolher será sorteado um) que vai promover o despejo, identifica o inquilino (e o(a) companheiro(a) caso também more na casa), se o inquilino tiver rendas em dívida pode/deve aproveitar para fazer o pedido do valor em dívida (pode também peticionar o valor dos estragos feitos na casa), indicando logo bens do inquilino à penhora (p. ex. se souber que o inquilino tem um BMW deve indicá-lo logo para penhora).

Para fazer este requerimento não é necessário constituir advogado mas eu não aconselho um "leigo" a fazê-lo, a menos que efectivamente tenha uma boa base jurídica, até porque se utilizarem este expediente indevidamente incorrem em responsabilidade civil (e eventualmente também criminal).

Feito o requerimento, tem que se pagar a taxa de justiça, o pagamento pode ser feito através do multibanco e tem um custo de € 25,50 ou € 51,00 consoante o valor da acção seja até € 30.000 ou de € 30.001 em diante, respectivamente.

Os 11 tipos que trabalham no BNA, quando recebem o requerimento dão uma vista de olhos e, se não houver fundamento para recusa, notificam o inquilino através de carta registada com AR dando-lhe 15 dias para desocupar a casa (e pagar o que deve) ou deduzir oposição. Se o inquilino se recusar a assinar a carta, o distribuidor postal lavra nota do incidente e o inquilino considera-se notificado/citado, se o inquilino não levantar a cartinha (e acontece tantas vezes...) considera-se notificado 8 dias depois de lhe ter sido deixado o aviso.

Se o inquilino (i) não deduzir oposição, (ii) deduzir oposição mas depois não pagar a taxa de justiça (€ 306,00 - até 30.000,00 ou € 612,00 a partir de € 30.001,00...) e uma caução no montante das rendas em atraso, ou (iii) durante o processo não for pagando as rendas que se forem vencendo, o requerimento converte-se logo em título executivo ("igual" a sentença de um juiz).

Exemplificando: Se o senhorio recorrer ao BNA porque o inquilino lhe deve 4 meses de rendas (€500/Mês), o inquilino, para deduzir oposição ao despejo, tem que pagar € 306,00 de taxa de justiça + € 2.000,00 de caução, tendo ainda que constituir advogado (sem prejuízo da concessão de apoio judiciário).

Se houver oposição, o julgamento decorre no prazo de 20 dias (prazo meramente ordenador = contem pelo menos com 3 meses...) e a sentença é logo ditada para acta. Importa assinalar que, caso a oposição seja manifestamente improcedente, o inquilino é condenado em multa não inferior a € 250,00.

Se o inquilino não deduzir oposição, ou caso deduza oposição e seja vencido, o Agente de Execução, ou notário, desloca-se de imediato ao local e, caso o inquilino se resigne e entregue as chaves da casa, toma posse da mesma. Caso existam indícios de que o local está abandonado (a caixa de correio estiver atafulhada p. ex.), o Agente de Execução pode arrombar a porta e trocar a fechadura... Na minha opinião, aqui foi-se demasiado longe, a entrada na habitação de outrem é um meio extremamente invasivo e que carece obrigatoriamente de autorização de um juiz, independentemente de qualquer indício mais ou menos evidente... E não sou eu que o digo, quem o diz é a Constituição da República Portuguesa que no n.º 2 do seu art. 34.º estipula: "A entrada no domicilio dos cidadãos contra a sua vontade (seja ela expressa ou velada) só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente..." leia-se por um juiz... pelo que esta norma (que permite a entrada do AE sem despacho judicial quando existam os tais indícios de abandono) se encontra, salvo melhor opinião, ferida de inconstitucionalidade...

Prosseguindo, se o inquilino for teimoso como uma mula e não deixar o Agente de Execução (ou o notário) entrar, nem desocupar a casa, este tem que pedir autorização para entrar à força ao juiz, que tem um prazo curto para se pronunciar.

Com o despacho do juiz, de nada valerá a teimosia do inquilino que terá mesmo que desocupar a casa, sob pena do Agente de Execução ou notário (acompanhado da polícia) lhe arrombar a porta e trocar a fechadura, dando-lhe depois 30 dias para vir buscar as suas coisas, caso contrário consideram-se abandonadas.

Existe apenas uma ou outra situação em que se tem que suspender o despejo (p. ex. se este colocar em risco a vida do inquilino), sendo que o inquilino tem ainda a prerrogativa de requerer um diferimento (adiamento) do despejo por "razões sociais imperiosas" (basicamente quando viva numa situação de grande precariedade). Feito o pedido, o juiz decidirá se autoriza ou não, todavia, o diferimento não poderá exceder os cinco meses.

Caros leitores, é, em traços gerais e sem preocupações de rigor, este o modus operandi do novo BNA...

LP


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Desmistificando a nova Lei das Rendas

Há dias a comunicação social deu-nos conta de uma manifestação de cerca de 2 centenas de inquilinos (promovida pela Associação de Inquilinos Lisbonenses [que é liderada por um Dinossauro Comunista]) a exigirem a revogação da nova lei das rendas.

Logo no início da peça (por entre os impropérios dirigidos à ministra e governo em geral) uma senhora vociferava com indignação, contando que pagava € 88,00 de renda e que com esta malfadada lei passaria a pagar € 670,00 (!)...

Infelizmente, o jornalismo que temos esquece (se é que o conhece) o seu código deontológico, pois de outra forma respeitariam o Princípio do Contraditório, ouvindo a(s) outra(s) parte(s)...

Adiante,

Vamos então ver muito resumidamente este verdadeiro "bicho-papão"...

Ponto Prévio: estamos a falar da actualização das rendas habitacionais anteriores a 1990, as tais que foram congeladas pelo Decreto 12 de Novembro de 1910* (logo após a instauração da República)...

O senhorio que quiser actualizar a renda terá que enviar uma cartinha registada com AR ao inquilino, dando-lhe conta que (i) pretende que o contrato de arrendamento transite para o NRAU, (ii) o novo valor da renda e os anos de duração do contrato, (iii) comunicando ainda o valor patrimonial do imóvel, anexando a caderneta predial das finanças.

Se o senhorio não respeitar estas formalidades nada feito... é como se não tivesse havido comunicação.

Recebida a cartinha, o inquilino pode (i) aceitar; (ii) não aceitar e propor (ou não) um outro valor de renda ou (iii) "rescindir" o contrato e ir à vida dele.

Se o inquilino não responder à cartinha (e daqui advém o perigo desta lei dada a iliteracia de muitos destes inquilinos) esse silêncio vale como aceitação da nova renda, ficando o contrato submetido ao NRAU...

Se não se entenderem quanto ao valor da renda, o senhorio pode "rescindir" o contrato desde que pague uma indemnização igual a 5 anos de renda, resultante do valor médio das propostas formuladas pelo Senhorio e pelo Arrendatário, p ex. Senhorio propõe €500,00 e arrendatário contrapropõe com € 100,00, a indemnização será qualquer coisa como 18 mil euros... (indemnização que ainda pode ser agravada no dobro ou em 50% quando a renda oferecida pelo inquilino não seja inferior em mais de 10 ou de 20% à do Senhorio, respectivamente.

Em alternativa, o Senhorio pode actualizar a renda de acordo com o Valor Patrimonial Tributário da habitação, tendo como limite máximo o valor anual correspondente a 1/15 do valor da casa, passando o contrato a ser de prazo certo pelo período de 5 anos. E este é o pior dos males... Na pior das hipóteses vêm a renda ser aumentada 1/15 do valor do locado. Exemplificando: se a casa tem o valor patrimonial de € 100.000,00, a nova renda pode chegar (no máximo) a € 555,56/Mês.

Ora € 555,56 é muito dinheiro nos dias que correm pelo que afinal terá razão de ser tamanha indignação?

Cremos que não. A lei, para além desta limitação, logo a seguir vem proteger os inquilinos mais desfavorecidos (pobres, idosos e deficientes), impondo tectos aos aumentos.

Se o inquilino invocar carência económica e demonstrar que o seu Rendimento Anual Bruto Corrigido (um documento que pode ser pedido nas finanças)é inferior a €500/Mês (para além do limite de 1/15 do valor patrimonial) a renda não pode ser superior a 10% do RABC. Se os rendimentos do agregado familiar do inquilino forem inferiores a €1500/Mês a renda não poderá ser superior a 17%. Por fim se o RABC do agregado familiar do inquilino for inferior a cinco Retribuições Mínimas Nacionais
Anuais (RMNA) a renda será de 25% do RABC, mantendo-se sempre como limite máximo o valor anual correspondente a 1/15 do valor do locado;

Quanto aos inquilinos com mais de 65 anos ou com deficiência superior a 60%, o contrato mantém-se ao abrigo da Lei antiga pelos próximos 5 anos, podendo a renda ser actualizada com base no critério supra de 1/15 do valor patrimonial do imóvel, sendo que os idosos ou portadores de deficiência que sejam igualmente carenciados, beneficiam também dos limites de 10%, 17% ou 25% do RABC.

Posto isto, "este regime de transição" de 5 anos não deverá colocar em problemas aqueles que mais necessitam de protecção, todavia daqui a 5 anos temo pelo que possa acontecer a muitas destas pessoas (as promessas de que a n/ falida Segurança Social lhes vai acudir pagando-lhes um subsídio de renda não me convence...). O aspecto positivo da lei é que veio "tirar o tapete" a milhares de inquilinos endinheirados que estavam a ser subsidiados pelos senhorios, sem nenhum motivo atendível.

Convém também não vilipendiar os senhorios por quererem aumentar o valor das rendas, porquanto muitos deles se encontram também a braços com a miséria, ao que acresce o facto do IMI ter disparado na última avaliação das finanças.

Concluindo: Mais uma trapalhada do governo que deveria ter explicado convenientemente a lei, bem sabendo que os destinatários seriam maioritariamente gente com poucos recursos e sem acesso à informação. Por outro lado, como acima se procurou demonstrar, durante os próximos 5 anos não existe motivo para tanto alarmismo, nem ninguém, contanto realmente tenha dificuldades económicas, passará de € 88,00 para € 670,00/Mês de renda....

LP


* “Há duas formas de destruir uma cidade: despejando-lhe bombas, ou congelando as rendas” (Ferraz da Costa).

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Richelieu* e a Lei da limitação dos mandatos

A Lei n.º 46/2005 que veio estabelecer limites à renovação de mandatos nas autarquias locais tem apenas 2 artigos (e um deles é relativo à sua entrada em vigor...) mas, e a língua portuguesa dá para estas coisas, originou duas interpretações díspares...

A lei diz isto:

Artigo 1º
Limitação de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das
autarquias locais
1- O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia
só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, salvo se no
momento da entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou
estiverem a cumprir, pelo menos, o 3º mandato consecutivo, circunstância
em que poderão ser eleitos para mais um mandato consecutivo.
2- O presidente da câmara municipal e o presidente de junta de
freguesia, depois de concluídos os mandatos referidos no número
anterior, não podem assumir aquelas funções
durante o quadriénio
imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido.

Por sua vez o artigo 9.º do Código Civil estipula:

Artigo 9.º
(Interpretação da lei)

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Posto isto, importa saber se o legislador quis proibir um presidente de se candidatar a um quarto mandato na SUA Câmara ou Junta de Freguesia, ou se por outro lado pretendeu vedar a candidatura a QUALQUER Câmara ou Junta.

É (mais) um exemplo de uma lei ambígua e pouco clara e por isso não me surpreende ver pareceres de juristas a defender uma e outra posição (tomando partido por quem endossa o cheque claro está...).

Uma coisa é certa, não colhe o argumento de que a lei, caso fosse interpretada no sentido de proibir a candidatura a qualquer câmara do país, seria inconstitucional, pois é a própria CRP que prevê a possibilidade de limitar os mandatos (P. da Renovação).

Já foram interpostas acções em Tribunal para impedir as candidaturas de Menezes (Porto) e Seara (Lisboa) pelo que vamos aguardar para ver qual será o veredicto... (Deixemos pois de lado a sugestão milagrosa do Dr.(?) Miguel Relvas - interpretação autêntica).



* "O Cardeal de Richelieu estava de acordo em que se podia acusar um ministro ao rei, mas que o acusador fosse castigado se as coisas que provasse não fossem importantes, o que devia impedir a todos de dizer qualquer verdade, posto que uma coisa importante é algo de necessariamente relativo e o que é considerado importante para um não o é para outro"
(Montesquieu).

Big Brother* is Watching You...

http://www.ptjornal.com/2013021314026/geral/economia/nao-pede-fatura-do-cafe-arrisca-uma-multa-de-2000-euros.html

É ténue a fronteira entre o salutar combate à economia paralela e a devassa da vida privada...


* O Grande Irmão: Personagem do livro "1984" de George Orwell, que retrata uma sociedade totalitária onde o Estado vigiava todos os cidadãos.